Corpos Imperfeitos, mentes felizes

Sorrisos perfeitos, cabelos sedosos, pele bronzeada, pernas compridas, cinturas fininhas, braços definidos, roupas “in trend” e por fim uma foto espetacular para ser publicada no Instagram. Reconhece? Identifica? Identifica-se? O que acha disso? O que sente em relação a isto?

Não critico, faço parte deste mundo digital embora lute para não cair nas suas armadilhas. Aprecio uma bela imagem, um belo sorriso, um corpo lindo e lugares que contam histórias. Preocupo-me com as pessoas e sobretudo com o mundo que vive em função disso. Preocupo-me com as pessoas que pensam que as suas vidas são um fracasso visto não corresponderem às vidas das imagens das redes sociais.

Há dias escrevi uma pequena reflexão sobre isto “a vida é perfeita só nas imagens das redes sociais”. Preocupo-me com as pessoas e mais ainda com os jovens que entristecem seriamente por causa disto. Com os corpos que adoecem porque vivem angústias da “perfeição”. Como se ela existisse… O que será esta perfeição?…

“Eu não sabia que era gordinha antes de ser gozada no 2º ano da primária. Num dia, uma coleguinha de turma chamou-me de “cara de bolacha”, lembro-me como hoje. Até da roupa que vestia naquele dia me lembro. Não sei se fiquei envergonhada com isso ou com o sorriso da professora, que ao meu ver, confirmou e reforçou o gozo. A partir daquele dia, recusei-me a comer o lanche e embarquei nessa loucura que se chama agora de bulimia. Na altura, recusava-me apenas a comer. Depois percebi que podia vomitar… Hoje estou doente… Provavelmente nunca irei curar-me…”

 “Eu sempre fui magro. E que nunca foi por não comer, não sei, o meu corpo simplesmente não engorda. Eu sou assim e não tenho culpa. A minha avó ralhava comigo, forçava-me a comer, a minha mãe dizia-me que vou ter que pôr pedras nos bolsos porque o vento ia levar-me em plena rua. Eu não ficava ofendido, às vezes ria-me, não tinha problemas com isso até me apaixonar…Não consigo entregar-me na intimidade, é muito complicado, não sei como vou ultrapassar isso…”

 “Está tão linda a menina, mas o nariz é da avó Rosa! Não faz mal, o mais importante é teres saúde! Percebi que algo estava errado com o meu nariz depois de ouvir essa réplica inúmeras vezes. Não fazia mal, até o terem dito… Olhei para o nariz da avó Rosa com atenção e a partir daquele dia comecei a sentir vergonha do meu nariz…”

Talvez esses pequenos relatos o fizeram visitar memórias antigas. De certeza que se lembra de algumas vozes familiares, ou não, em relação à sua aparência. Permita-se “viajar” um pouco e ficar atento: como se está a sentir quando contata com essas memórias? O que sente no corpo? As palavras são poderosas, muito mais quando são da parte da família. Aquilo que nos é dito tem o poder de mudar a fisiologia do nosso corpo. Existem vários estudos que o comprovam cientificamente. A nossa maneira de pensar, aquilo que acreditamos ser verdade, somatiza-se no nosso corpo, tem impacto não só na nossa aparência como na saúde. Acima de tudo na nossa saúde. Quando alguém esconde a magreza, os seus ombros e pescoço curvam-se. A pessoa não esconde apenas o corpo, ela esconde-se. Ela esconde a sua personalidade, o seu eu. Ela não se entrega na sexualidade, o seu corpo não pulsa energia vital.

Quando alguém olha no espelho e fica envergonhado do seu nariz, da sua aparência, a sua autoestima fica em baixo, a sua cara entristece-se, todo o seu corpo entristece!

Quantas pessoas vivem infelizes porque não amam o seu corpo, não aceitam a sua aparência, não se aceitam. Não é triste isto?

Um dia uma cliente disse-me: “Mas o mundo lá fora Tatiana não funciona assim. Nós somos julgados pela aparência, pelo nosso estatuto, etc.”.

Mas quem é o “mundo lá fora”? O mundo lá fora és tu, sou eu e os outros mas começa por ti sempre e em primeiro lugar. Como é que tu te encaras a ti mesma? Como encaras os outros? Quando nos iremos livrar dos estereótipos? A saúde e a felicidade não são sinónimas de magro, alto, rico, musculado, etc. Se uma pessoa reúne estas características, isso é maravilhoso! Não há nada de errado nisso! Tal como não há nada de errado em ser baixo, corpulento, loiro, moreno, curvado, etc. O que há de errado é não ser saudável e não ser feliz. Não permita ser julgado pela sua aparência. Não julgue. O nosso corpo é a “máquina” mais hi-tech do mundo, com propriedade de autocura e manutenção. Quando o corpo adoece, ele envia imediatamente um sinal que algo está errado. É aqui que nos devemos focar. Cada corpo é um corpo. Cada “máquina” é única e tem o seu manual de instruções. Cada um de nós deve ler o seu manual e cuidar com amor.

Olhe-se no espelho com um olhar de curiosidade, como se estiver a olhar para si pela primeira vez. O que vê? Começa a cuidar-se com amor e não com críticas. Ouça a sua voz interior. Separe as vozes do passado que já não fazem parte do seu presente. Talvez venha uma voz de uma tia que lhe diz que o seu nariz é igual ao da avó Rosa. Devolva essa voz ao seu proprietário. Essa voz não é a voz da verdade. É a projeção da sua tia e não a sua. Nós não nos conseguimos ver a nós próprios, não é verdade? Nós conseguimos ver-nos apenas no espelho. Nós projetamos o nosso olhar sobre os outros e vice-versa. Vamos refletir um pouco então?

Abrace o seu corpo, é nele que se expressam os pensamentos, as emoções, todo o seu eu. O corpo não é estático. Ele está em constante movimento e transformação. As suas células renovam-se! O seu corpo produz trilhões de células novas por dia! Aquilo que éramos ontem não somos hoje e não seremos amanhã. Não é maravilhoso? Corpo é movimento, lembra-se disso quando se sente preso.

Receba um abraço meu, de um corpo imperfeito e feliz.

Artigo escrito para o Portal das Psicoterapias, em janeiro de 2021.



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