ABORDAGEM EM BIOSSÍNTESE: AFETOS DA VIDA UTERINA

Para além da teoria científica do desenvolvimento do feto dentro do útero existe a interligação da condição emocional, historial que o útero carregava antes e no tempo da gestação do feto.

O estado emocional do útero da pré-gestação e no tempo da gestação vai interferir com o desenvolvimento e estado (psicológico, físico, emocional) do feto e da respetiva futura criança e futuro adulto.

David Boadella, fundador da psicoterapia somática em biossíntese, afirma que a nossa vida começa antes da nossa conceção. Curioso não é? Sabe como era a vida dos seus pais antes da sua concepção? Que história viviam, que sonhos tinham, que emoções, sentimentos…?

Um stress, um trauma, algum acontecimento, ansiedade, estado depressivo ou ambiente não estável em que a mãe se encontrava antes, durante ou após o nascimento do bebé pode interferir com a integração e a cooperação entre as três camadas celulares primárias (endoderme, mesoderme e ectoderme).

David Boadella relaciona essas camadas primárias com o Centring, Grounding e Facing.

A terapia tem como função auxiliar neste processo integrativo na tentativa de restabelecer a ligação entre às três camadas.

A teoria e o método da Biossíntese ajudam as pessoas a trabalhar e contactar com experiências pré-verbais e até pré-natais. Muitas pessoas questionam-se sobre problemas emocionais que não encontram razão, muitas questões emocionais ainda podem ter surgido a partir desse período. O David Boadella afirma” não importa se uma pessoa encarra estes factos como memórias, fantasias ou reconstruções imaginativas. Os trabalhos terapêuticos utilizando a história uterina surgem de experiências profundas que levam a mudanças significativas na vida. Num processo terapêutico completo é necessário resgatar as sensações uterinas. Os padrões de excitação de prazer e desprazer do feto, de alguma forma, retidos na memória celular podem ser recuperados com a psicoterapia corporal.

Segundo David Boadella , criador da biossíntese, existem três fluxos de afeto na vida uterina, associados às três camadas germinativas: ectoderme (camada celular exterior da gástrula), mesoderme (folheto médio do embrião, entre o ectoderme e o endoderme) e endoderme (camada celular interior, que envolve o intestino primitivo do embrião).

O afeto pele-fetal

Este afeto é a base da sensibilidade do adulto a qualquer impacto proveniente do mundo exterior, não só na superfície da pele, mas também nos órgãos dos sentidos derivados da ectoderme, particularmente olhos e ouvidos. A hipersensibilidade de certas pessoas à luz ou ao som poderia ter a sua origem nas dificuldades com o afeto pele-fetal.

Uma mulher que eu acompanhei alguns anos veio com a queixa de não conseguir sentir nada, falta de energia vital, sentia estar sempre fria por dentro e por fora. Verbalizava muitas vezes, sou uma pessoa fria. Afasto as pessoas com a minha frieza. Os homens ficam com medo de mim, mas eu até sou muito sensível, não sei porque e que sou assim. Vivo ausente…Explorando a história dessa mulher soubemos que a mãe sofreu um desgosto amoroso, ficou muito deprimida, colapsou e nunca mais voltou a normal. Depois de um tempo ela nasce mas a mãe não é capaz de cuidar dela e a entrega para adopção á uma família que conheçe bem. A família era muito boa mas eram pessoas extremamente rígidas e pouco carinhosas. Descreve o ambiente da casa sendo silencioso, escuro, pesado e frio. Ela cresce sentindo-se um fardo para aquela família. Não tinha espaço para existir. O corpo dela nunca foi tocado com amor. Ela teve que ficar ausente no seu próprio corpo para sobreviver.

 Afeto cinestésico

Por volta da metade da gestação, a mãe nota os movimentos mais vigorosos dentro do seu útero – os tais chamados “chutes do bebê”. Os movimentos primitivos de natação do feto são protótipos dos movimentos que ele irá fazer na vida pós-natal, quando aprender a fazer resistência à gravidade. Eles são a base biológica da agressividade (do latim aggredi, aggressius – movimento para a frente) que está fundamentada na mobilização dos músculos da espinha. Se os movimentos são graciosos e soltos, estão carregados de afeto cinestésico positivo e prazeroso; movimentos tensos e contraídos estão carregados de afeto cinestésico negativo e doloroso. Movimentos espontâneos possuem uma coordenação que flui naturalmente.

Os movimentos de natação do feto, os chutes do bebê, o prazer de correr e pular da criança, os movimentos coordenados do atleta adulto apresentam um grau elevado de afeto cinestésico. As dificuldades em dançar, jogar futebol e mover a pélvis poderiam ter suas origens no campo do afeto cinestésico.

Afeto umbilical

A terceira corrente de afetos intra-uterinos é o fluxo do afeto umbilical da placenta através do cordão umbilical para o centro do corpo do feto. Se a mãe está usufruindo de sua gravidez e está emocionalmente feliz, sua sensação de bem-estar é comunicada à criança.

O afeto umbilical positivo manifesta-se como uma sensação de bem-estar e vitalidade, um calor agradável no centro do corpo. O afeto umbilical negativo manifesta-se como uma sensação de indisposição, ansiedade, desespero e mal-estar; é uma sensação de envenenamento da fonte da vida.

No nascimento, quando o cordão umbilical é cortado, o afeto umbilical permanece como uma memória somática que pode afetar a qualidade do sentimento e a distribuição da energia no abdômen. O modo pelo qual a criança digere os alimentos está relacionado com a maneira como ela digere os sentimentos. Gerda Boyesen, criadora da Psicologia Biodinâmica, fala sobre essa conexão na teoria da ” psicoperistalsis”. O fluxo do afeto no abdômen também é regulado pela forma de respirarmos e pela atividade do diafragma.

Da minha própria experiência enquanto estive grávida e sendo mãe, tive e tenho o privilégio de observar estes processos na minha filha. Felizmente, tive uma gravidez normal e tranquila, a minha filha foi desejada e planeada, vivi a minha gravidez com consciência e com algumas preocupações que qualquer mulher que passou pela gravidez sentiu. Estive a conversar com a minha filha durante a gravidez toda. No dia do parto preparei-me e preparei-a para o que estava prestes a acontecer. Fui acolhida e bem acompanhada durante o parto. Tive apoio do meu marido e senti segurança e amor. A minha filha nasceu tranquila e um bebé que qualquer mãe possa desejar, tranquila, a dormir e a comer bem. Depois do parto os médicos me disseram que o ritmo cardíaco dela não mudou mesmo quando passou pelo canal vaginal, o que foi surpreendente para eles. Ela nasceu tranquila por sentir segurança e amor. Nenhuma história é perfeita, cada útero carrega uma história. Que história carregava o seu?

Bibliografia: Livro “Correntes da Vida” de David Boadella

Artigo escrito para o Portal das Psicoterapias



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